Ao The Players' Tribune, Júlio César relembra ‘briga’ com Mourinho e maior decepção como rubro-negro
Por Nathália Almeida
Se hoje Alisson e Ederson marcam presença em todos os debates sobre os melhores goleiros em ação no Velho Continente, em meados dos anos 2000, o Brasil tinha Júlio César como grande referência mundial na posição. Técnico, dono de um reflexo apurado e invejável tempo de reação, o carioca nascido e criado no Flamengo deixou o clube do coração rumo ao sonho europeu em 2005, movimento do qual não se arrepende, mas que poderia não ter acontecido à época. Quem garante isso é o próprio Júlio, em texto publicado originalmente no The Players’ Tribune:
“Não vou negar: o lado financeiro sempre pesou quando tive de fazer escolhas ao longo da minha carreira. Em 2005, o Flamengo me ofereceu um contrato dentro da realidade do clube naquele momento. Mas a Inter me fez uma proposta melhor, e eu aceitei. Se o Flamengo tivesse empatado com os números da Inter, eu teria ficado no clube? Sim, sem dúvida alguma”, contou.
Sentimento que veio de berço - seu pai e seus irmãos são torcedores do clube -, o amor do camisa 12 pelo Flamengo se fortaleceu ainda mais no tempo em que pôde vestir o Manto, mesmo que seus anos como profissional na Gávea não tenham sido de muitas alegrias esportivas. Isso, por sinal, é a grande frustração de sua carreira:
"Infelizmente, nunca conquistei um título de grande expressão com o Flamengo. Durante as quatro temporadas em que fui titular, entre 2001 e 2004, lutamos contra o rebaixamento em três anos. Cara, sofremos muito."
- Júlio César
Se os anos na Gávea não foram prolíficos, podemos dizer o exato oposto sobre seu período na Inter de Milão: foi na Itália onde vimos os melhores anos e a melhor versão do arqueiro, que venceu tudo e um pouco mais entre os anos de 2008 e 2010. O Scudetto de 2009, um dos títulos mais marcantes para o clube e para Júlio César, é narrado pelo goleiro por meio de um episódio curioso: uma discussão entre ele e José Mourinho. O motivo? O ‘Special One’ não queria liberar os jogadores da concentração no Hotel para a festa na Piazza del Duomo, local onde o clube sempre celebrava suas conquistas, mesmo com o título já confirmado matematicamente.
“Mourinho continuou caminhando em direção ao quarto dele. Eu não iria simplesmente aceitar aquilo – fui atrás dele. Ele entrou no quarto. Eu também entrei. Quando ele deitou na cama, eu disse ‘Olha, se você não for para a Piazza, você nunca mais vai ganhar um título’. De repente, ele levantou da cama e começou a me xingar de tudo quanto é nome. Não tenho certeza, mas parece que ele levou a sério o que eu falei (...) Pouco depois já estávamos na praça, comemorando e cantando com a torcida. Chegou uma hora — eu estava muito alterado — e eu peguei o Mourinho pelo pescoço e disse ‘Então você queria ficar no hotel, né? Olha para isso! É para você!’ Ele caiu na gargalhada", relembrou.
Quatro anos depois de fazer a Tríplice Coroa pela Inter, Júlio vivia o total oposto das sensações que o esporte pode proporcionar: em um Mineirão abarrotado, sete finalizações da Alemanha passavam por ele e estabeleciam a maior humilhação da Canarinho em Copas do Mundo. Dizem que o tempo cura tudo, mas há feridas que teimam em não cicatrizar...
“Eu estaria mentindo se dissesse que é algo superado. Não tem como superar isso. Vou ficar marcado para o resto da vida por causa disso, ainda mais sendo goleiro. Mas o que eu posso fazer? Tenho de me reerguer. Isso passa por muito trabalho psicológico. Você precisa tentar olhar para frente. Hoje, graças a Deus as pessoas falam menos sobre isso, mas tenho de aceitar que aquele jogo nunca sairá de mim por completo. Nunca”, revelou.
Do surgimento à despedida como jogador do Flamengo, passando por Inter, Chievo, QPR, Toronto e Benfica. Do Carioca de 1999 à Champions 2009/10. Do sonho da primeira convocação aos três Mundiais disputados. Uma carreira recheada de nuances, feitos e taças, que não pode jamais ser reduzida ao 8 de julho de 2014.