As crônicas de Wenger no Arsenal: o canhão, a coroa e a Premier League

Às vésperas da Premier League 2021/22, relembramos uma conquista emblemática que aconteceu há duas décadas
Às vésperas da Premier League 2021/22, relembramos uma conquista emblemática que aconteceu há duas décadas /
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Há muitas discussões sobre quais são os melhores torneios nacionais do mundo. Bairristas costumam dizer que o habitualmente competitivo Campeonato Brasileiro desponta no cenário mundial. Saudosistas apostam na tradicional Série A Italiana, que viveu alguns dos seus melhores anos num passado não tão distante assim. Contudo, quando falamos do potencial de fazer história, a Premier League emerge em todo seu reinado.

Às vésperas do início de mais um Inglês, retornaremos ao passado para lembrar um time que arrebatou milhões de torcedores: o Arsenal da temporada 2001/02 que, apesar de não ainda não serem os Invincibles de 2003/04, eram um impressionante prelúdio de uma das melhores equipes da Terra da Rainha.


O rei do show: Arsène Wenger

O francês chegou nos idos de 1996. Um pouco longe dali, mais precisamente no Mônaco, nosso personagem central já havia conquistado credenciais importantes na modalidade ao levantar alguns troféus na carreira - não tão relevantes agora para o decorrer desta história. Veja bem, Arsène Wenger levou uma bagagem de respeito aos gramados ingleses, mas só foi conhecer as glórias da dinastia quando chegou ao comando do Arsenal.

Na temporada 2001/02, iniciada no dia 18 de agosto, a filosofia vencedora do treinador não era novidade, afinal, a Premier League havia sido conquistada na campanha de 1997/98. Contudo, o que testemunhamos depois da virada do século XXI foi diferente. O domínio começava na defesa: o experiente goleiro David Seaman era apoiado pelos laterais Laurén e Ashley Cole, além dos zagueiros Martin Keown e Sol Campbell - este último vindo diretamente do rival Tottenham na janela de transferências. Os jogadores rapidamente formaram uma fortaleza vermelha praticamente impenetrável - foram apenas 36 gols sofridos em toda a edição do Inglês.

Sol Campbell Arsène Wenger Arsenal Premier League
Contratação de Sol Campbell foi um dos maiores acertos de Wenger / Jamie McDonald/Getty Images

As peças do grande tabuleiro de xadrez de Wegner formavam uma combinação ainda mais intrigante da faixa central aos metros finais. Combinando criatividade e força física, o plantel tinha Patrick Vieira, Ray Parlour, Gilberto Silva, Fredrik Ljungberg, Roberto Pirès e, claro, Thierry Henry. Os nomes de reposição também não deixavam a desejar: Kolo Touré, Cesc Fàbregas, Edu e companhia estavam prontos para brilhar quando necessário.

Buscando entender qual era o grande trunfo do técnico francês, consultamos um sábio torcedor do Arsenal, que dividiu uma importante e pouco acessada crônica conosco: "Arsène Wenger revolucionou o jogo britânico quando chegou, introduzindo dietas mais rígidas, métodos alternativos de treinamento e, de modo geral, elevou o nível em termos de padrões de preparação física", pontua Harry Symeou, escritor do 90min UK, jornalista e gooner declarado.

Para além dessas questões, Symeou ressalta o quão visionário Wegner conseguiu ser: "Sua capacidade de identificar, adquirir e cultivar talentos de mercados praticamente inexplorados o fez superar as expectativas e competir com o Manchester United no auge do futebol inglês por muitos anos".

Então, qual o resultado quando se combina peças que se completam tão bem assim? Um esquadrão de artilheiros, ou Gunners, caso você prefira. Naquela temporada, a exibição dos comandados de Wegner foi de tirar o fôlego: o título, conquistado com sete pontos de vantagem para o vice-campeão Liverpool, teve um sabor ainda mais suave na reta final, uma vez que a sequência de 13 vitórias consecutivas coroou, mais uma vez, o reinado dos donos de Highbury - antigo estádio do clube.

Patrick Vieira, Thierry Henry, Gilberto Silva Arsenal Premier League
Arsenal tinha uma formação poderosa da faixa central aos metros finais / Odd Andersen/Getty Images

Como se não bastasse toda a história sendo escrita com os detalhes mais refinados possíveis, o triunfo da Premier League 2001/02 aconteceu após vitória dos Gunners diante do Manchester United, por 1 a 0, em pleno Old Trafford. À época, o time de Alex Ferguson era considerado uma das maiores e mais imbatíveis potências inglesas. No entanto, nem toda a majestade dos Red Devils conseguiu conter o ímpeto dos verdadeiros donos da coroa.

No fim das contas, o Arsenal venceu aquela edição do torneio nacional com 26 vitórias, nove empates e somente três derrotas, que aconteceram dentro de casa, ou seja, a equipe venceu todos os duelos fora dos seus domínios. Os Gunners anotaram 79 gols, sofreram apenas 36 e ainda conseguiram a proeza de ir às redes em todas as partidas, sem nenhuma exceção.

Um plantel deste porte só estaria completo com uma dupla de proporções estratosféricas, certo? Pois assim, dois dos maiores destaques do grupo despontaram: o meio-campista Robert Pirès, dono de 15 assistências, tinha um entrosamento irretocável com o grande artilheiro Thierry Henry, que balançou as redes 24 vezes na campanha. Não tinha como dar errado...

"A mistura perfeita de aço britânico e talento estrangeiro fez com que os Gunners capturassem os corações do público em todo o mundo. Eles sintetizaram tudo o que havia de atraente no futebol inglês, ao mesmo tempo em que sempre apresentavam um show. Wenger montou um time que tinha o melhor dos dois mundos e sua habilidade de arrancar estrelas de ligas estrangeiras significava que seu time foi seguido por grandes intrigas. Você nunca sabia de onde sua próxima estrela viria"

Harry Symeou, sobre o Arsenal de 2001/02

O homem por trás do canhão: Patrick Vieira

Historicamente, valorizamos o clímax. Na literatura, é o ponto mais alto de tensão - aquele momento onde tudo muda. Em Romeu e Julieta, por exemplo, o ápice acontece assim que a mocinha finge estar morta e o herói, vendo a cena, resolve tomar o veneno. No futebol, esse momento é o gol. Por essa razão, dificilmente valorizamos a construção e os demais fatores que fizeram com que Thierry Henry brilhasse tanto.

Por trás do canhão que "atingiu" a Inglaterra na virada do século, estava um verdadeiro maestro: Patrick Vieira. Na temporada 1995/96, o francês, mesmo tendo escassas oportunidades no Milan, atraiu o olhar clínico de Wenger, que apostou na sua qualidade e investiu mais de quatro milhões de euros.

Ashley Cole Patrick Vieira Arsenal Premier League
Volante era destaque no meio-campo dos Gunners / Stu Forster/Getty Images

Privilegiado fisicamente, o jogador de 1,93 metros era conhecido pela boa leitura do jogo, chute potente, passes precisos e excelente recuperação da bola. A soma dessas características permitia que ele se comportasse como um clássico meio-campista box-to-box - como são chamados na Inglaterra os volantes que também participam do ataque.

Apesar das dificuldades com o inglês, Patrick Vieira falava apenas uma língua dentro das quatro linhas: o futebol. E é justamente por isso que Symeou atribui ao francês o status de coração das equipes de Wegner: "Sua natureza combativa e dominante combinada com sua classe foi inestimável. Até hoje, o clube ainda não chegou perto de substituí-lo. Ele teve um grande elenco de apoio ao seu redor, mas é de longe o melhor meio-campista que o clube já viu".

Munido de tantas peças históricas, Wenger disparou seu canhão rumo ao topo no dia 18 de agosto de 2001. Cerca de seis meses depois, no dia 11 de maio de 2002, ele aterrissou na Terra da Rainha e declarou os Gunners como campeões da Premier League 2001/02. E, assim, jogadores e fãs viveram felizes para sempre. Até o início da próxima temporada...

Gilles Grimandi, Patrick Vieira Premier League Arsenal
Jogadores do Arsenal comemoram a conquista da Premier League / Craig Prentis/Getty Images

Todos os caminhos levam ao Arsenal: os dias atuais

A tradição construída ao longo da história nunca irá permitir que o Arsenal seja visto como um time comum na Inglaterra. O gigante de outrora, no entanto, parece adormecido enquanto outras potência surgem mais próximas do topo da Premier League. Nas últimas duas temporadas - 2019/20 e 2020/21-, por exemplo, os Gunners conquistaram apenas um singelo oitavo lugar no principal torneio nacional do país. Aliás, a última vez que o clube do Emirates Stadium terminou o ano no G4 foi na campanha de 2015/16.

Certamente, a ideia do atual técnico Mikel Arteta é levar o Arsenal de volta aos seus melhores dias, afinal, ele mesmo conhece bem o sabor da vitória. A missão, porém, não será nada simples. Na roda gigante do futebol mundial, as estruturas de poder mudaram e, hoje, o canhão dos Invincibles não ameaça tanto assim.

"O jogo mudou. Times como Manchester City, Chelsea e, até certo ponto, o Manchester United têm finanças muito melhores. O caminho de volta ao topo não é tão simples como alguns dos torcedores querem que você acredite. É necessária uma reconstrução, mas, ao mesmo tempo, um clube do tamanho do Arsenal não pode esperar para sempre."

Symeou sobre os dias atuais do clube

Independentemente da fase, os Gunners terão, nesta sexta-feira (13), seu primeiro ato na Premier League 2021/22. Se o legado de 20 anos atrás falar mais alto, sabemos que todos os caminhos irão levar ao Arsenal.