Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+, uma iniciativa pela arquibancada diversa e pelo direito de torcer
Por Nathália Almeida
Pelo direito de torcer.
Esse é o mote da Canarinhos LGBTQ+, coletivo de torcidas fundado pelo ativista Onã Rudá. Torcedor do Bahia e apaixonado por futebol, ele conversou com o 90min sobre a atuação do coletivo e sua relevância para o nosso futebol e sociedade como um todo. Neste Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+, apresentamos a você, fã de esporte e leitor da nossa plataforma, uma das iniciativas de arquibancada que trabalham por valores que deveriam ser universais: igualdade, inclusão e respeito.
"O Coletivo Canarinhos LGBTQ+ é um coletivo que reúne um conjunto de torcidas e movimentos que estão aí se organizando e tentando disputar algo que deveria ser óbvia: que é o direito de torcer, de ser torcedor e de ser torcedora, e que da gente é tirado por uma questão que é uma condição inata à nossa humanidade, que é o fato de nós sermos pessoas LGBTQIAP+. No começo ele tinha muito esse papel de ser um espaço de diálogo entre nós, de acolhimento. Aliás, ele é muito isso até hoje. Então quando a Canarinhos não está publicamente atuando, ela está privadamente lidando com uma série de questões que dizem respeito a cada torcida, na sua localidade.
Acho que a importância dela é porque a gente garante que um esporte que é uma paixão nacional possa ser desfrutado por todo mundo, né? Possa ser vivido por todo mundo da melhor forma possível, dando a todos os corpos o protagonismo também", afirmou.
Um levantamento recente realizado pela página "O Contra-Ataque" indica que, nos últimos três anos (2019-2022), houve uma verdadeira "explosão" no número de coletivos LGBTQIAP+ de arquibancada sendo criados, com novas torcidas ativas em quatro das cinco principais regiões do nosso país. Sem esquecer das pioneiras Coligay e Flagay - sobre as quais falamos neste outro artigo aqui -, o estudo reforça que a movimentação e a organização de torcedores pela construção de um futebol mais plural e diverso só aumenta.
Perguntado sobre esse momento e se há uma sensação maior de segurança/pluralidade nas arquibancadas, Onã admitiu estar otimista, mas reforçou que a atuação de torcedores e coletivos precisa vir acompanhada de iniciativas institucionais de longo prazo por parte dos clubes e das entidades que administram o futebol brasileiro.
"Eu observo com otimismo porque em algum momento essa comunidade ia passar a cobrar esse lugar, ia passar a pautar estar presente no futebol. E aí, de repente eu faço parte também deste momento. Enfim, eu percebo que há nas pessoas mesmo uma vontade de não recuar, sabe? (...) Aqui no Bahia posso dizer: eu sinto que sim, porque eu frequento o dia a dia lá do clube e eu percebo que eu vejo mulheres indo sozinhas, que não era uma coisa comum de acontecer. Eu vejo mães levando seus filhos sozinhas ao estádio… Isso é uma coisa que é muito, muito, muito singular.
Há uma construção de segurança nas arquibancadas para vários corpos, dentre os quais, os nossos. Acho que a ação do Vasco, mais uma vez, foi uma ação histórica e importantíssima. Acho que o Vasco faz hoje o que o Bahia fez lá atrás, sabe?", e continuou:
"Mas a gente precisa de mais clubes com esse tipo de postura. E mais do que os clubes, a gente precisa que a CBF tenha um caminho que direcione todos os órgãos"
- Onã Rudá, em entrevista ao 90min
Liderando pela coragem e por abraçarem sua função social, Bahia e Vasco são bons exemplos de como instituições do nosso futebol podem agir em prol de um esporte menos agressivo às minorias. E muitas das ações que garantem maior segurança para estes grupos são nada "de outro mundo": é construção diária na base da educação e diálogo, de campanhas contínuas dentro e fora das quatro linhas e, obviamente, na base da iniciativa de trazer "para dentro de casa" pessoas que carreguem essas bandeiras e representem essas lutas.
"A primeira coisa que a gente precisa é que os clubes façam um mapeamento daquilo que está em torno deles, sabe? Para poder começar a ter uma movimentação mais contundente (...) A gente fez uma cartilha com algumas medidas muito simples, na nossa avaliação, tudo muito simples. Nada estruturalmente que vai abalar o futebol, é tudo muito simples, são coisas que garantem segurança: é posicionamento dos clubes, é campanhas nas redes e campanhas nos estádios, é ação direta com o elenco, é um posicionamento contundente dos dirigentes do clube.
Os clubes podem, por exemplo, contratar pessoas LGBTQIAP+, fazer workshop lá dentro com time interno. Então, tem coisas a fazer, são coisas simples, são coisas objetivas… Agora, se fizer "pra inglês ver", não vai acontecer nada. E aí a gente tem por exemplo, exemplos de clubes que já fizeram algumas ações que poderiam ser interessantes… O Flamengo já fez ações que poderiam ser interessantes e não foram. Por que? Porque elas não têm um componente fundamental para este trabalho: verdade", pontuou Onã.
Por fim, Onã deu um conselho valioso para clubes que se entitulam "do povo", mas pouco (ou nada) têm feito para democratizar e ampliar a representatividade - seja ela de gênero, classe, orientação sexual ou cor -, em suas arquibancadas.
"Falta se perguntarem assim: "O que é ser clube do povo? O que é povo? E quem está no meio do povo?" "
- Onã Rudá, ao 90min