É válido comparar Messi e Cristiano Ronaldo a Pelé, desde que não apaguem gols do Rei
Por Breiller Pires
Maior jogador da história, Pelé voltou recentemente ao centro dos debates sobre futebol. Não pelos 80 anos que completou em outubro, mas pelo fato de “ter sido superado” por Messi e Cristiano Ronaldo. Ao marcar seu 644º gol com a camisa do Barcelona, contra o Valladolid, vários jornais noticiaram que o craque argentino ultrapassou Pelé, que anotou 643 pelo Santos, como maior artilheiro de um clube. Já o português virou manchete ao chegar a 770 gols na carreira e, supostamente, se converter no maior goleador de todos os tempos.
Em comum nas duas comparações, o critério de “gols oficiais” é o parâmetro para estabelecer tais recordes. Entram na contagem apenas tentos marcados em competições, excluindo estatísticas de jogos amistosos. Esse recorte é extremamente cruel com Pelé, que jogou em um contexto bastante distinto do atual.
Em seu auge, entre as décadas de 1950 e 70, o futebol não era tão globalizado. Clubes brasileiros dependiam de amistosos e excursões internacionais para gerar receitas. O Santos, por exemplo, preferiu não disputar três edições da Copa Libertadores por julgar mais rentável excursionar que competir.
Justamente por causa de Pelé, muitos amistosos daquela época tinham pompa e importância, como o único duelo entre o brasileiro e o argentino Di Stéfano, vencido por 5 a 3 pelo Real Madrid no Santiago Bernabéu, em 1959. A contagem de gols oficiais ignora o tento anotado pelo Rei nessa peleja, assim como outros 447 feitos em partidas de exibição. É óbvio que gols marcados pela seleção do Exército têm peso bem menor que os celebrados diante da Juventus de Sivori ou do Benfica de Eusébio. Estão em prateleiras diferentes.
Sem a devida contextualização, parte da imprensa europeia não hesitou em estampar que Messi havia superado Pelé e que Cristiano havia batido seu recorde. É compreensível comparar, já que as federações na Europa, historicamente, sempre utilizaram o critério de gols oficiais. Porém, esse recorte, por si só, é insuficiente para ratificar que um ou outro jogador “superou” o Rei.
Cristiano Ronaldo manifestou reverência ao brasileiro antes de reivindicar a marca. “Fico muito feliz e orgulhoso ao reconhecer o gol que me colocou no topo da lista de artilheiros do mundo, superando o recorde de Pelé.” Em gesto de elegância, a assessoria do Rei parabenizou CR7 pelo feito, sem se dar conta do desserviço que presta à memória do esporte ao aceitar que apenas gols marcados em competições sirvam para o cômputo da artilharia histórica.
Ao todo, Pelé marcou 1.283 gols, sendo 1.091 deles pelo Santos. Ainda que tenha média superior à de Messi e Cristiano, além de três Copas do Mundo no cartel de conquistas, o debate sobre quem é o maior jogador de todos os tempos não deve ser interditado. Afinal, tanto o português quanto o argentino simbolizam uma era, ambos com mais de 10 anos atuando em nível inalcançável para os demais, tal qual o brasileiro em sua época.
Para isso, a discussão precisa envolver mais critérios, não apenas o de “gols oficiais”. Se apegar a um único parâmetro é endossar narrativa de colonizador, incapaz de reconhecer as variáveis do futebol que não contemplam a Europa. No fim das contas, subtrair gols legítimos de Pelé para beneficiar Messi e Cristiano significa fraudar a história.