Drogas, favela, dispensa do Flamengo: Adriano Imperador abre o jogo em carta ao The Players' Tribune

Potência do chute do centroavante sempre impressionou
Potência do chute do centroavante sempre impressionou / Luca Ghidoni/Getty Images
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Ser ídolo da maior torcida do Brasil? É para poucos; ganhar o apelido de Imperador e conquistar os fãs de um dos grandes clubes da Europa? Também não é para qualquer um; e ganhar espaço na Calçada da Fama do Maracanã? Pois é, um privilégio para um seleto grupo. Adriano foi um dos centroavantes mais mortais revelados pelo Flamengo e que, por seu talento, conseguiu brilhar na Inter de Milão e ser colocado como o sucessor de Ronaldo Nazário na seleção brasileira. No entanto, o desenrolar da carreira do atacante o colocou dante de diversos desafios extracampo, o que acabou também tirando um pouco do seu brilho. Em carta ao The Players' Tribune, ele abre o jogo a respeito de diversos fatos de sua trajetória. Confira os principais trechos.

FAVELA

As pessoas sempre interpretam errado essa palavra. Quem olha de fora não entende, cara. E quando falam do Brasil, quando falam das crianças das favelas? Eles sempre pintam um quadro distorcido. É sempre dor e miséria. E sim, às vezes, é isso mesmo. Mas também é complicado. Quando penso em como foi crescer na favela, eu me lembro, na verdade, de como a gente se divertiu. Joguei bola de gude, empinei pipa, soltei pião... Infância real, não tinha celular, toda essa tecnologia, né?, touch screen, que essas crianças têm agora. Eu estava cercado pela minha família, pelo meu povo. Eu cresci na comunidade. Eu tinha liberdade. Eu não sofri. Eu estava vivendo, aprendendo com a vida.

QUASE DISPENSA DO FLAMENGO

Quando eu tinha 15 anos, o Flamengo ia me dispensar. Eu ia ser mandado embora. Mas quando Deus bota a mão, esquece... O problema era que eu jogava na lateral esquerda na época e estava crescendo muito rápido. (Muita pipoca!) Imagina? O Adriano na lateral esquerda? Então, no fim do ano, os treinadores reuniram todas as crianças e nos separaram em duas fileiras. Eles apontariam pra cada um e diriam: “Você, vai lá”. Fila da esquerda, você está dispensado. Agora, você fica. Eles apontaram pra mim. “Adriano, vai lá.” A fila da esquerda. Adeus. Mas, pela graça de Deus, enquanto eu caminhava em direção à saída, um dos treinadores gritou: “Ei, não, não, não. Adriano, não. Deixa ele aí”. Inacreditável, não? Quando Deus coloca a mão em nossas vidas, não tem explicação.

Adriano Imperador Flamengo Inter de Milão Seleção Carreira
Adriano ganhou o apelido de Imperador na Itália / DAMIEN MEYER/Getty Images

O AMOR PELA INTER DE MILÃO

Até hoje, a Inter é o meu clube. Eu amo Flamengo, São Paulo, Corinthians... Amo muitos dos lugares onde já joguei, mas a Inter é algo especial para mim.

A MORTE DO PAI E UM NOVO DESTINO

Eu realmente não queria falar sobre isso, mas vou te dizer que, depois daquele dia (morte do pai), meu amor pelo futebol nunca mais foi o mesmo. Ele amava futebol, então eu amava futebol. Simples assim. Era meu destino. Quando joguei futebol, joguei pela minha família. Quando marquei, marquei para a minha família. Então, quando meu pai morreu, o futebol nunca mais foi o mesmo. Eu estava do outro lado do oceano na Itália, longe da minha família, e não conseguia lidar com tudo aquilo. Fiquei tão deprimido, cara. Comecei a beber muito. Eu realmente não queria treinar. Não teve nada a ver com a Inter. Eu só queria ir pra casa. Para ser honesto com você, embora eu tenha marcado muitos gols na Série A ao longo desses anos, e embora os torcedores realmente me amem, minha alegria se foi. Foi meu pai, sabe? Eu não poderia simplesmente apertar um botão e me sentir eu mesmo novamente.

UMA LESÃO FÍSICA E OUTRA NA ALMA

Quando rompi o tendão de Aquiles em 2011? Cara, eu sabia que ali estava tudo acabado pra mim, fisicamente. Você pode fazer uma cirurgia, reabilitar e tentar continuar, mas nunca mais será o mesmo. Minha explosão se foi. Meu equilíbrio se foi. Merda, eu ainda manco. Ainda tenho um buraco no tornozelo. Foi a mesma coisa quando meu pai morreu. Mas a cicatriz estava dentro de mim. “Cara, o que aconteceu com o Adriano?” É muito simples. Tenho um buraco no tornozelo e outro na alma.

Flamengo Imperador Adriano Brasileirão 2009
Centroavante conquistou o Brasil em 2009 / ANTONIO SCORZA/Getty Images

DROGAS?

A imprensa, às vezes, não entende que somos seres humanos. Era muita pressão ser O Imperador. Eu vim do nada. Eu era um garoto que só queria ir jogar futebol e curtir com os amigos. E eu sei que não é algo que você ouve de muitos jogadores hoje em dia, porque tudo é muito sério e há muito dinheiro envolvido. Mas estou apenas sendo honesto. Nunca deixei de ser aquele moleque da favela. A imprensa dizia que eu tinha “desaparecido”. Eles falavam que eu tinha voltado para a favela e estava me drogando, e mais um monte de m#rd@. Publicavam fotos minhas dizendo que eu estava cercado por criminosos e que minha história era uma tragédia. Quando escuto uma coisa dessas, só rindo mesmo, porque eles não têm a mínima ideia do que acontece na minha vida. Eles não sabem como isso pode machucar uma pessoa. Voltei para o meu povo, meus amigos, minha comunidade. Eu não queria morar num castelo, isolado de tudo e de todos. Voltei para as pessoas que me conheciam quando eu era o ADI-RANO que comia pipoca.

A VOLTA AO BRASIL

Sim, talvez eu tenha desistido de milhões. Mas quanto vale a sua paz de espírito? Quanto você pagaria para ter de volta a sua essência? Na época, eu estava desolado com a morte do meu pai. Queria me sentir eu mesmo novamente. Eu não estava drogado. Isso nunca. Eu estava bebendo? Sim, claro. Merda, sim, eu estava. Saúde! Mas, se quiser testar – te juro por Deus –, você não vai encontrar droga nenhuma no meu sangue. O dia em que eu usar droga é o dia em que minha mãe e minha avó vão morrer. Bebida alcoólica? Ah, isso vai dar mesmo, bastante, até porque eu gosto de tomar um danone.

Adriano John Mensah Imperador Ronaldo Seleção Carreira
Adriano era visto como o sucesso de Ronaldo na seleção / Ben Radford/Getty Images

O BRASILEIRÃO DE 2009

Quando voltei para o Rio para jogar pelo Flamengo, não queria mais ser o Imperador. Eu queria ser o Adriano. Eu queria ter prazer novamente. Vou contar a real sobre esse time do Flamengo: o grupo foi maravilhoso porque era de verdade. Não era só eu não, cara. O grupo. Às vezes, a gente chegava para o treino não pelo futebol, mas pela resenha depois. Assim que o treino acabava – poom! –, hora da resenha. Direto para o Mercado Produtor. Todo o time. Até as esposas já sabiam: “Estaremos em casa à meia-noite!” Hahaha! ;-) No treino do dia seguinte, se alguém estivesse cansado, o outro dizia: “Vou correr para você!”. E se um estava ferrado, o outro dizia: “Vou correr por ele. Deixa comigo!!!”. Sempre fizemos tudo juntos, cara. E vencemos. Demos um Brasileirão para o Flamengo depois de 17 anos. Foi especial.

O SER HUMANO ADRIANO

Adriano era o garoto que o Flamengo ia dispensar. Adriano foi o menino que lutou. Adriano foi o que sobreviveu. Nunca deixei de ser essa pessoa. O dinheiro, a fama, o reconhecimento... Nada muda como você nasceu, entende? Eu não ganhei Copa do Mundo. Também não ganhei a Libertadores. (Aquele Washington, safado...) Mas quer saber? Eu ganhei quase tudo. E eu tive uma vida incrível, do c@r@lh#, cara. Eu tinha muito orgulho de ser o Imperador. Mas sem Adriano, o Imperador não presta! Adriano não usa coroa. Adriano é o menino da favela que foi tocado por Deus. Você entende agora? Você vê? Adriano não sumiu nas favelas. Ele apenas voltou pra casa.