Em carta, Formiga relembra desafios de trajetória como atleta e deixa recado à nova geração: 'Você pode tudo'
Por Nathália Almeida
Na noite desta quinta-feira, 25 de novembro, o mundo do futebol prestará homenagens e reverências àquela que pode ser considerada como uma das maiores atletas da história do esporte: Miraildes Maciel Mota, mais conhecida como Formiga. Após 26 anos de serviços prestados à Seleção Brasileira, a lendária camisa 8 terá seu "último ato" com a camisa verde e amarela diante da Índia, em partida válida pelo Torneio Internacional de Manaus.
Para os apaixonados por futebol feminino e para todos os entusiastas do esporte da bola redonda, estamos falando de um dia em que a emoção será inevitável, afinal de contas, Formiga é a história viva da modalidade que tanto amamos. Sua trajetória pessoal se confunde com a própria trajetória da categoria, simbiose perfeita que nos impossibilita falar de futebol feminino sem falar em Miraildes. Mas a consagração, o respeito e o status de referência demoraram a chegar para a camisa 8 que, em entrevista ao The Players' Tribune, relembrou as dificuldades encaradas ao longo de sua jornada como atleta, desde quando ainda era apenas uma criança com um sonho de viver do futebol.
"Meus irmãos mais velhos não entendiam. Eu era proibida de jogar com eles. Na verdade, eu era proibida de jogar, ponto. Quando conseguia uma brechinha e participava dos babas na rua, eu me sentia muito feliz. Mas aí, quando chegava em casa, eu apanhava dobrado. Por ter desrespeitado a ordem de não sair pra jogar e por ter jogado melhor que eles. O que para eles poderia parecer uma humilhação, para mim era só diversão. Eu não queria provar que era melhor que ninguém. Eu queria jogar bola e mais nada. A cada vez que apanhava, eu engolia o choro e ia jogar de novo. Eu não desistiria tão fácil, apesar de todo preconceito que sofria"
"Eu tive que ralar muito para conquistar meu espaço e provar quem eu era. Não somente como jogadora, mas também como… Miraildes Maciel Mota. Mulher. Negra. Nordestina. Lésbica. E, acima de tudo, como uma pessoa que nunca pensou em fazer outra coisa que não fosse jogar futebol."
- Formiga, ao The Players' Tribune
O preconceito e o baixo investimento na modalidade tornaram a jornada da camisa 8 muito mais dolorosa e desafiadora, mas sua resiliência e coragem, características que lhe parecem inatas, permitiram com que Formiga sobrevivesse e dobrasse situações que nenhuma pessoa deveria encarar ao longo de sua vida. Os infames questionamentos e insinuações pejorativas envolvendo sua estética e orientação sexual foram uma constante, mas não foram suficientes para quebrar o espírito de quem nasceu para ser e fazer história.
"O futebol feminino não tinha a mesma visibilidade que tem hoje. Para alguns antigos dirigentes, a estética era a melhor forma de chamar atenção para a modalidade. Não se importavam que a gente mal tivesse uniforme para jogar, obrigadas a esperar as camisas largas que sobravam do time masculino, nem direito de usar a academia que os homens usavam. Na cabeça deles, o importante era um rostinho bonito para atrair holofotes. A seleção tinha várias meninas negras como eu. E os diretores insistiam que a gente tinha de deixar o cabelo crescer ou alisar. “Vocês precisam ser mais femininas”, eles diziam. Mas eu era justamente o contrário do padrão que esperavam de mim"
"Se não deixei meus irmãos mandarem em mim, não seria um dirigente que diria como eu devo me apresentar. Em protesto, fui lá e raspei o cabelo"
- Formiga, ao TPT
Os 26 anos vestindo a pesada camisa verde e amarela permitiram com que Formiga fosse não só testemunha, mas sim agente de transformação da realidade do futebol feminino brasileiro. E aos olhos da eterna volante, o momento é de otimismo e esperança: os frutos de sua luta e da luta de outras pioneiras, como Sissi e Pretinha, tendem a ser colhidos pelas novas gerações que surgem e ainda surgirão nos campinhos e várzeas deste Brasil.
"Eu sinto que ajudei a plantar uma semente no futebol feminino. E que, em breve, as meninas desta e da próxima geração vão se beneficiar da colheita. Já é um orgulho enorme poder me despedir com essa certeza diferente, de que, por mais que a caminhada não seja fácil, nenhuma menina vai precisar sofrer o que eu sofri para jogar bola. Temos competições nacionais organizadas, campeonatos de base, nunca formamos tantos talentos como agora… Por ver o futebol feminino no Brasil finalmente andando com as próprias pernas, acredito que chegou a hora de abrir espaço para outras meninas"
"Você pode ser mulher. Você pode ser negra. Você pode ser nordestina. Você pode ser lésbica. Você pode jogar futebol. Você pode tudo que desejar. O mundo é seu!"
- Formiga, ao The Players' Tribune
Para ler na íntegra a carta de Formiga ao The Players' Tribune, clique aqui.