Fred, o ídolo autêntico e humano que resgatou a bela catarse que é ser Fluminense
Por Nathália Almeida
Março de 2009.
Clube machucado, torcida abalada e uma ferida ainda aberta.
Poucos meses haviam se passado desde a maior derrota esportiva da história da instituição, o vice-campeonato da Copa Libertadores de 2008, contra aquele adversário que nenhum de nós, tricolores, gosta de mencionar.
Foi em meio a este cenário que você chegou ao Fluminense, com uma missão primária bem clara: devolver alegria às arquibancadas, que apesar de moralmente combalidas, seguiam apoiando, de norte a sul, as três cores que traduzem tradição.
Em seu primeiro ato como jogador tricolor, o Fluminense venceu. Venceu com o verde da esperança, sentimento este que, inevitavelmente, passou a transbordar em todo torcedor depois de seus dois gols anotados sobre o Macaé pelo Campeonato Carioca.
A gente já sabia que marcar em estreias era sua especialidade, afinal de contas, você foi às redes na primeira partida por América-MG, Cruzeiro e até Lyon. Com o pavilhão tricolor, não seria diferente.
Nisso, realmente não seria diferente. Mas não podemos dizer o mesmo sobre tudo o que veio depois.
Sabe porque?
Por que sua história no Fluminense seria, sim, diferente de tudo.
Voltando da Europa para o futebol brasileiro aos 26 anos de idade, no auge de sua forma após anos espetaculares na Ligue 1. Aceitando a responsabilidade de ser o camisa 9 de um Fluminense ferido.
Mais uma prova de que coragem e personalidade eram duas de suas marcas registradas.
Logo se tornou o capitão e o grande líder de um time que precisava se reconstruir emocionalmente. Sobrava talento, faltava a tranquilidade. Faltava o sangue frio. E isso quase foi o nosso calvário.
Afundados no Campeonato Brasileiro, parecia que nem mesmo o Gravatinha seria capaz de nos salvar do iminente rebaixamento à Série B naquele ano.
Eis que aquele jogo contra o Cruzeiro no Mineirão aconteceu.
Com dois gols que você não comemorou por respeito ao seu ex-clube - mas que nós comemoramos efusivamente -, viramos um confronto praticamente perdido e iniciamos a arrancada que consagrou o Time de Guerreiros.
Rimos da matemática.
Contrariamos a lógica.
Rejeitamos os prognósticos negativos.
E renascemos, sob a batuta do nosso camisa 9.
2009 acabou sendo a virada de chave e o despertar para uma redenção tricolor, no ano seguinte.
Em um enredo digno de cinema, fomos de virtuais rebaixados ao status de campeões brasileiros. O título que colocou ponto final em uma seca que já durava 26 anos.
Enfim, o Brasil voltava a ser pintado de verde, branco e grená.
Os sorrisos, é claro, voltaram às arquibancadas tricolores. E os corações distribuídos em profusão a cada gol marcado se tornaram o símbolo de uma história de amor: iniciada em 09, fortalecida em 10, consolidada em 11 e consagrada em 12, o ano do nosso tetra.
Você, artilheiro do país.
Carrasco no Fla-Flu do Centenário. Normal.
Herói no jogo do título, com dois gols no 3 a 2 sobre o Palmeiras.
O Brasil novamente verde, branco e grená. Na genialidade do nosso camisa 9.
Ao mesmo em que nos brindava com conquistas e feitos esportivos, você, capitão, nos emocionava com sua grandeza de espírito e sua consciência de que um ídolo no esporte é feito não somente de troféus, mas principalmente de gestos.
Ídolo acessível, ensinou e conversou muito com a molecada que sonha em viver do futebol.
Ídolo autêntico, mostrou durante entrevista coletiva a nota fiscal que comprovava que a noitada anterior havia sido regada por 27 drinks, e não por 60, como a imprensa havia noticiado. Arrojado.
Ídolo humano, foi alicerce para o garoto Gabriel Varandas, torcedor mirim que venceu um grave tumor no cérebro tendo os seus gols como combustível. Você o abraçou, e hoje ele está curado.
Ídolo que sabe que nenhum atleta é maior que o clube, se despediu das Laranjeiras em 2016, de coração partido, mesmo quando o problema não era você.
"Não queria ser um peso para o Fluminense. Chegou a hora de sair da minha casa"
- Fred, no adeus em 2016
Ídolo solidário, ajudou centenas de funcionários durante a pandemia de Covid-19, arrecadando e doando cestas básicas aos mais vulneráveis.
Ídolo atemporal, acertou seu retorno à casa em 2020, para escrever o capítulo final de uma das mais belas jornadas compartilhadas que o futebol brasileiro já viu.
Juntos, ressignificamos a palavra impossível, conquistamos o país e comemoramos 199 vezes.
Dividimos alegrias, tristezas e abraços que só nós entendemos a profundidade e o significado, como aquele no pós-Copa do Mundo de 2014.
Se tornando um torcedor (como nós) dentro das quatro linhas, você, Fred, resgatou a bela catarse que é ser e viver Fluminense.
Então, no dicionário da bola, Fred passou a ser sinônimo de Fluminense. E vice-versa.
E se o Fluminense nasceu com a vocação da eternidade - célebre frase do ilustre Nelson Rodrigues -, neste sábado, dia do último ato do maior camisa 9 de nossa história, me permito uma justa licença poética que o dramaturgo tricolor possivelmente assinaria: Fred não passará, jamais.