Justin Fashanu: uma vida de pioneirismo e coragem tragicamente abreviada pela homofobia
Por Nathália Almeida
Universo que costuma fabricar e mutilar sonhos quase na mesma proporção, o futebol pode transformar realidades, para o bem e para mal. E ainda que as histórias felizes de superação sejam as mais conhecidas, divulgadas e debatidas, existem também as histórias trágicas. E nesta terça-feira (28), Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, contaremos uma delas: lembraremos Justin Fashanu, uma vida de pioneirismo e coragem tragicamente abreviada pela homofobia no esporte.
Justinus Soni Fashanu, mais conhecido como Justin Fashanu, nasceu no dia 19 de fevereiro de 1961 em Hackney, uma das regiões mais pobres e perigosas de Londres, capital do Reino Unido. De origem muito humilde, teve uma infância turbulenta em virtude da separação de seus pais que, sem condições financeiras de criá-lo junto ao irmão, enviaram ambos para uma instituição de acolhimento a crianças vulneráveis.
Desde muito novo, mostrou talento e habilidade para esportes variados, comoboxeefutebol, passando a se dedicar ao segundo em seus anos escolares, já sob a tutela de uma família adotiva. O futebol se revelaria como sua vocação e seu destino mas, ao mesmo tempo, como seu inquisidor e algoz: o sucesso em nível "colegial" renderia uma chance de ouro para Fashanu mudar sua realidade e contrariar os prognósticos negativos que acompanhavam quem vinha de Hackney mas, em poucos anos, o mesmo futebol que abraçou o promissor atacante, rejeitaria brutalmente a sua verdade.
Ao despertar atenção de um olheiro, Fashanu recebeu o chamado do Norwich City, equipe que disputava a primeira divisão do futebol inglês. Pelos Canários, terminaria sua formação de base e seria lançado profissionalmente aos 17 anos, fazendo inúmeros gols importantes em seus primeiros anos no clube. Foi o artilheiro máximo de sua equipe na temporada 1980/81 com 19 gols marcados, desempenho que o colocou no radar de times mais pesados da elite nacional.
Em 1981, entrou para a história do futebol inglês ao se tornar o primeiro jogador negro britânico envolvido em uma transferência superior à £1 milhão, negociação que o levou ao forte e vitorioso Nottingham Forest, clube que havia conquistado o bicampeonato da Champions League nos anos anteriores (1978/79 e 1979/80). A "etiqueta de preço" sobre Fashanu, no entanto, lhe traria mais prejuízos e dores de cabeça do que vantagens: sua ascensão meteórica gerava desconforto, por tudo que ele era e representava.
Logo se tornou alvo dentro dos vestiários e nos bastidores da bola, sendo acusado de levar um estilo de vida inadequado e fora dos padrões. Seu técnico, o linha dura Brian Clough, tomou como verdade os boatos de que Fashanu frequentava bares e boates gays de Nottingham, decindo afastar o atacante de todas as atividades e treinamentos junto à equipe. Não tardou para que os tablóides locais - que já eram conhecidos pelo sensacionalismo e pouca (ou quase nenhuma) responsabilidade jornalística -, marcarem o jovem jogador com o "carimbo" de homossexual. Sem consultá-lo e sem se importar com as consequências do rótulo que lhe fora atribuído.
Marginalizado em seu clube e caçado pela imprensa britânica, Justin Fashanu tentou recomeçar sua carreira em inúmeros mercados alternativos do futebol mundial, sem sucesso. Em 1990, foi à público para reivindicar o controle da narrativa de sua vida: "abriu o jogo" acerca de sua orientação sexual em entrevista ao controverso "The Sun", tornando-se o primeiro jogador da história a se assumir gay ainda estando em atividade. Orientado por seu agente, o atacante inglês expôs a sua verdade em seus termos, esperando ter alguma paz e uma segunda chance de retomar o brilho dentro das quatro linhas. Mas acabou recebendo justamente o inverso.
O futebol, que havia lhe aberto portas no início de sua vida adulta, agora estava definitivamente contra ele. Em meio ao estigma e ao isolamento, Fashanu se viu ainda mais sozinho ao não receber apoio de seu irmão, com quem havia compartilhado dificuldades e a luta pela sobrevivência desde os primeiros anos de sua vida, ainda naquele orfanato em Hackney. Sem oportunidades e sem apoio - da opinião pública e de seu familiar mais próximo -, Fashanu acabou se suicidando em 1998, aos 37 anos de idade, deixando uma carta de despedida com o seguinte trecho:
"Não quero mais ser uma vergonha para minha família e meus amigos. Ser gay e uma personalidade é muito difícil"
- Justin Fashanu
Passados quase 25 anos desde a triste perda de Justin Fashanu, o esporte segue sendo um terreno agressivo às minorias: somente em 2022, mais precisamente na última sexta-feira (24), o futebol brasileiro masculino conheceu o primeiro relato de ex-jogador se assumindo bissexual. Richarlyson, em um ato de coragem e valentia, tornou pública a sua orientação sexual. Quantas verdades continuarão sendo sufocadas pela intolerância e ódio ao diferente? Cabe a nós mudar essa realidade, para que histórias como as de Justin Fashanu nunca mais se repitam.