Sequestro, terror e guerrilha: o ato solitário do último jogador que boicotou a Copa América por motivos políticos
Por Breiller Pires
O ensaio de boicote à Copa América por parte de jogadores e comissão técnica da seleção brasileira surge como um “fato novo” capaz de ressoar em efeito cascata com potencial para melar de vez a competição continental, que foi desabrigada por Argentina e Bolívia e encontrou refúgio num Brasil varrido pela pandemia de covid-19.
Porém, 20 anos atrás, um jogador da seleção ousou desafiar não só o comando da CBF, como também a comissão técnica ao boicotar o torneio por motivos políticos. Tetracampeão mundial em 1994, o volante Mauro Silva havia se apresentado à seleção como um dos atletas mais experientes do grupo e titular do time de Luiz Felipe Scolari para a Copa América de 2001.
Já dentro do avião que levaria a delegação à Colômbia, sede do torneio, o volante comunicou a Felipão que não viajaria com o restante da equipe. Ainda no aeroporto, justificou sua decisão.
“Quis mostrar minha revolta com o fato de interesses políticos e econômicos falarem mais alto. Se, há uma semana, a Colômbia não tinha condições de realizar a Copa América, por que agora tem? O que mudou? Foi pressão dos investidores? O interesse daqueles que teriam prejuízo com o cancelamento da Copa América é mais importante do que a vida humana?”, questionou o jogador. O ato de protesto não foi seguido por nenhum dos companheiros de equipe.
A Copa América em solo colombiano chegou a ser cancelada pela Conmebol depois que Hernán Campuzano, vice-presidente da Federação Colombiana de Futebol, foi sequestrado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). O clima era de tensão permanente no país.
Além do acirramento do confronto entre tropas do Exército e das FARC, um atentado terrorista havia detonado um carro-bomba num prédio de Cali. O ataque foi vinculado ao cartel que controlava o narcotráfico na região e que, assim como as FARC, ameaçava novos atentados durante a Copa América.
Em que pese o clima de terror, a Conmebol voltou atrás e confirmou a realização do torneio na Colômbia a menos de 10 dias para a abertura. Algo que revoltou Mauro Silva. “É preciso mudar a postura com o futebol. Há muita gente utilizando o nosso esporte por interesses políticos e pessoais. Não sei se a minha decisão isolada vai valer alguma coisa, mas cada um tem que fazer a sua parte”, justificou o volante.
Felipão e o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, não engoliram a atitude e passaram a tratar Mauro como um desertor. Ele acabou não sendo convocado para a Copa do Mundo no ano seguinte. Já o Brasil disputou o torneio continental, mas amargou uma eliminação vexatória para Honduras nas quartas de final. Por falta de garantias de segurança, Argentina e Canadá também boicotaram a Copa América 2001, vencida pela própria anfitriã Colômbia.
Mauro Silva jamais se arrependeu de sua postura. Até hoje, defende que escolheu abandonar a seleção por posicionamento político, não por medo de sofrer um atentado. Formado em finanças e gestão, o ex-jogador hoje é vice-presidente da Federação Paulista de Futebol. Em entrevista ao El País, ele explicou recentemente a opção por se tornar dirigente:
"Tem muita gente que não gosta de economia, de política, de ciência, mas gosta de futebol. Por que não utilizá-lo como um instrumento de transformação social que seja capaz de tocar as pessoas, chamar a atenção para outros aspectos da vida?"
- Mauro Silva