Portões fechados e cofres vazios: como a pandemia afetou os clubes brasileiros
Por Milena Medeiros
A crise sanitária e humanitária causada pela pandemia do Covid-19 paralisou e transformou o mundo de uma maneira nunca antes vista. No futebol, adiou campeonatos, contaminou profissionais e devastou a receita dos clubes ao redor do mundo. O caso que mais chama atenção é o Barcelona, que encerrou o ano de 2020 com prejuízo superior a 97 milhões de euros, e, neste ano, as adversidades financeiras lhe custaram a perda do maior jogador da história do clube, prejuízo que dinheiro nenhum é capaz de pagar.
Os clubes brasileiros são ainda mais vulneráveis porque não têm grandes receitas como os gigantes europeus. Com o adiamento dos campeonatos, direitos de TV e bilheteria interrompidos, cancelamento dos planos de sócios e investimentos reduzidos, o futebol brasileiro viveu cenário assustador que favoreceu o acúmulo de dívidas milionárias e crises financeiras caóticas dentro dos clubes.
Arquibancadas vazias
A energia do futebol está na torcida. Por conta da pandemia, ficamos um ano, de casa, assistindo partidas silenciosas. A ausência de público nos estádios não só fez e faz falta financeiramente aos clubes, como também faz toda a diferença na competitividade das equipes. Estudos realizados neste período demostraram números de derrotas dos mandantes em nível jamais visto. De fato, a presença dos torcedores é essencial para o melhor desempenho das equipes.
Richarlison, atacante do Everton e da Seleção Brasileira conta que tal condição pode favorecer os visitantes: ''Em termos de tática e técnica, pouca coisa muda. O que pode acontecer é os times visitantes se sentirem mais à vontade de jogar fora, porque não vão sofrer com a pressão da torcida."
O prejuízo das bilheterias
Após um ano de partidas com portões fechados, os clubes viram suas receitas reduzirem desastrosamente. Só pela bilheteria, o Flamengo deixou de arrecadar R$ 85 milhões , o São Paulo, R$ 71 milhões, e o Corinthians, R$ 64 milhões, fechando os três clubes que mais deixaram de ganhar com a presença da torcida nos estádios entre os anos de 2020 e 2021.
Com a proibição de público nas partidas, os clubes brasileiros foram surpreendidos pela ausência da bilheteria em seus orçamentos, e tiveram que se adaptar para encontrar outras opções rentáveis para amenizar a crise. Alguns clubes encontraram o sucesso, outros se afundaram mais ainda..
Maiores receitas de 2020 – R$ milhões
*Atlético-MG inclui o valor líquido da operação do Diamond Mall.
Lidando com a crise
Um caso curioso é o Flamengo, que apesar de ter perdido o maior valor bruto em receita ( 282 milhões de reais), ainda assim liderou os rankings de maiores receitas de 2019 e 2020. O clube carioca foi um dos que melhor lidou com a situação de crise, mantendo em alta a venda de seus jogadores e graças à boa gestão dos investimentos recebidos. Por mais que tenha o maior faturamento do futebol brasileiro, chegando próximo do bilhão em 2019, os custos do atual campeão brasileiro não são baixos, principalmente a folha salarial, que ultrapassa os 200 milhões de reais.
As vendas de seus jovens jogadores seguem dando alívio aos cofres rubro negros: Entre 2020 e 2021, o clube embolsou cerca de 290 milhões de reais apenas com a saída de Gerson, Rodrigo Muniz e Reinier. Com a maior torcida do Brasil, o Flamengo deve continuar sendo o clube que mais arrecada, e, quanto mais dinheiro entrar, maior a possibilidade de investir e seguir no topo do futebol brasileiro.
Outro modo de equilibrar a crise é levar troféus. E isso Flamengo e Palmeiras fizeram bem. O clube paulista ficou atrás apenas do Flamengo na lista dos que mais tiveram redução na receita, com um déficit de mais de R$ 60 milhões. No entanto, o alviverde foi campeão da Copa do Brasil e da Libertadores, recebendo premiações 'recheadas'. Caso o Inter tivesse ganho o Brasileirão e o Santos, a Libertadores, o verdão e o rubro negro estariam em situações piores do que atualmente.
Mas qual saída essas instituições teriam? Em conversa com a reportagem, o consultor de gestão e marketing esportivo Amir Somoggi ofereceu um caminho a ser trilhado:
"Os clubes precisam sair do modelo analógico que vivem e ir para o mundo digital. Não postando em redes sociais dando dinheiro para o insta e Twitter. Mas criando modelos de negócios digitais sólidos com novas receitas que devem ajudar as suas finanças", comentou Amir.
As dívidas
Se as receitas na pandemia diminuíram, as dívidas dos clubes, por outro lado, cresceram. O Botafogo, que há alguns anos liderava o ranking de endividamento, caiu para a quarta posição, ficando atrás do Atlético Mineiro, em primeiro, Cruzeiro, em segundo, e Corinthians, em terceiro lugar.
Nas dívidas, o Galo é o grande destaque; De 2019 para 2020, viu sua dívida saltar de R$ 746 milhões para R$ 1,3 bilhão. O clube mineiro tem o terceiro elenco mais caro da Série A, além de possuir a terceira maior folha salarial do futebol brasileiro. Apesar de receber auxílio financeiro de de seus investidores, o alvinegro gasta muito, e dificilmente terá a dívida bilionária 100% quitada. Mesmo que o clube levante troféus, a receita não é suficiente e a torcida não engaja como as dos times como o Flamengo e Corinthians. A situação do Galo é complicada e especula-se que as despesas do alvinegro tomarão rumo empresarial e que poderão ser trocadas por serviços e ações, como já aconteceu com o Banco BMG que zerou o déficit de R$ 150 milhões que o Atlético devia em troca do emblema do banco na camisa por 6 anos.
"O mercado brasileiro não tem regulação alguma, a CBF é uma piada... nem presidente temos, com a saída do atual. Uma liga também não temos, assim tudo é permitido. O que ocorre no Palmeiras com a Crefisa e CAM com os 4 R´s jamais seria permitido em uma liga americana com regulação. La todos são bilionários e busca-se o equilíbrio esportivo. O CAM pode ate ser campeão, mas mesmo assim a dívida é impagável. E a receita é muito baixa. A torcida é engajada mas muito menor que de outros times rivais como Flamengo, Palmeiras, São Paulo e Corinthians. Especula- se que os 4 R´s um dia serão os donos de uma futura S.A., trocando as dividas por ações", completou Somoggi.
Apesar do cenário financeiro caótico, o clube fez grandes contratações que pareceram vingar e agradar aos torcedores. O atual campeão mineiro faz ótima campanha na temporada; É líder isolado do Campeonato Brasileiro e está na semifinal da Libertadores e da Copa do Brasil.
A exceção de Red Bull Bragantino
Se de um lado, manter as contas em dia é um desafio para a maioria dos clubes brasileiros, por outro, o Red Bull Bragantino não encontrou as mesmas dificuldades. Como tem orçamento fechado, independe de receitas com bilheteria e TV, sendo o único entre os clubes da Série A e B que não fez redução salarial na sua equipe.
Esperança e volta da torcida
Apesar das polêmicas envolvendo o retorno precoce de torcedores nos estádios em 2020, a situação parece finalmente melhorar. Com o avanço da vacinação e de acordo com a flexibilização de cada estado, o Campeonato Brasileiro caminha para o retorno das partidas com público, mas, com capacidade reduzida.