Rangers FC, o renascido finalista da Europa League que nos relembra o valor de começar de novo
Por Nathália Almeida
Quando a bola começar a rolar no Estádio Ramón Sánchez Pizjuán, em Sevilla, nesta quarta-feira (18), haverá muito em jogo para os dois surpreendentes finalistas desta Europa League 2021/22. O empolgante e empolgado Eintracht Frankfurt vai em busca de sua segunda conquista europeia - foi o campeão da antiga Copa da UEFA de 1979/80 -, ao passo que o Rangers FC, finalista ainda mais improvável que o adversário alemão, vislumbra o desfecho mais épico possível para a campanha "de conto de fadas" que vive no torneio continental. E o desejo escocês por um final apoteótico, digno de uma grande produção cinematográfica, é mais do que justo para quem experimentou dias incertos e sombrios há não muito tempo.
Para quem gosta de histórias lineares, conhecer um pouco mais sobre o Rangers FC não será uma experiência tão atraente, afinal, trata-se de um clube que viveu e experimentou idas e vindas, glórias e frustrações, altos e baixos... Sua existência é uma metáfora perfeita da vida como ela é: uma verdadeira "gangorra" de sensações, feitos e expectativas. Restando poucas horas até o apito inicial da decisão da Europa League, convidamos você, leitor do 90min, a mergulhar mais fundo na história de uma das camisas mais tradicionais e vitoriosas do futebol mundial.
Filho do século XIX, o Rangers triunfa – mas encontra antagonista
Fundado em 1° de março de 1872, o Rangers Football Club, conhecido por muitos como Glasgow Rangers, é um dos membros fundadores da Scottish Football League, uma das ligas de futebol mais antigas em registro na história do esporte da bola redonda. Filho do século XIX - status que poucos clubes ainda ativos podem ostentar -, foi o primeiro campeão nacional de seu país, em título dividido com o pouco conhecido Dumbarton: terminaram a edição inaugural do Campeonato Escocês (1890) com a mesma campanha e, no jogo de desempate, empataram em 2 a 2.
Logo no terceiro ano de Campeonato Escocês, o Rangers conheceu o potencial daquele que se tornaria o seu rival secular, na bola e nos valores: o Celtic. Representantes de alas/setores diferentes da sociedade, The Light Blues (tradição no protestantismo) e The Bhoys (tradição no catolicismo) se consolidariam como antagonistas especialmente por esse background social, extracampo. É por isso que cada clássico entre Gers e Celts passou a conter ingredientes, contornos e componentes que extrapolavam o esporte.
Motivados por fatores que transcendem as quatro linhas, os arquirrivais passaram a batalhar para se sobrepor um ao outro em âmbito nacional, protagonizando confrontos memoráveis (para o bem e para o mal) e disputas acirradas pela soberania local, ano após ano. O Old Firm - como foi batizado o clássico escocês -, tornou-se um evento por si só, por muitas vezes sendo o confronto que decidia quem ficaria com o título da temporada. Para a alegria do torcedor azul, o Rangers ainda se mantém soberano no país e na disputa particular com o Celtic: tem mais títulos de Campeonato Escocês (55x52), mais títulos totais (116x112) e mais vitórias no clássico (168x161).
O outro lado da lenda: insucessos europeus e insolvência
Na contramão do sucesso doméstico, desbravar e conquistar o continente parece ser o "Calcanhar de Aquiles" do time de Glasgow. Ao longo de seus 150 anos de existência, os Gers disputaram cinco decisões europeias, somando quatro vice-campeonatos. As duas primeiras finais foram em edições de UEFA Cup Winners' Cup, mais conhecida como Taça das Taças, extinta competição disputada ao longo de 39 temporadas (1960-1999): em 1960/61, o time escocês foi derrotado pela Fiorentina; em 1966/67, acabou sendo batido pelo Bayern de Munique.
A primeira e única glória europeia do Rangers FC - ao menos até aqui -, aconteceu na temporada 1971/72: com gols de Colin Stein e William Johnston (2x), o clube escocês surpreendeu e superou o poderoso Dinamo Moscou (URSS) por 3 a 2, erguendo sua primeira taça em âmbito continental. No entanto, o título não foi suficiente para amenizar a sensação de desvantagem dos Gers em relação ao seu arquirrival, afinal, o Celtic já havia se consagrado campeão da Europa anos anos: ergueu a prestigiada Champions League em 1966/67, superando a Inter de Milão na decisão.
36 anos se passaram até que o Rangers conseguisse retornar a uma final europeia, mas o desfecho da Europa League 2007/08, essa mais fresca na memória do torcedor, também não foi dos melhores para o time escocês: derrota por 2 a 0 na decisão contra o Zenit St. Petersburgo. Mas esse não seria o maior revés sofrido pelo clube após a virada do milênio.
Em 2012, o clube de Glasgow lidaria com o golpe mais duro de sua história: a insolvência. Afundado em dívidas que ultrapassavam a casa das 140 milhões de libras, o Rangers precisou ser refundado e foi obrigado a reiniciar suas atividades na quarta divisão nacional. Inúmeros atletas se recusaram a seguir no clube, mas algo muito maior permaneceu – o amor incondicional e imutável de sua torcida, que compareceu em peso (49.118 presentes) no primeiro jogo da equipe na quase amadora Third Division.
O renascimento em vários símbolos: torcida e ídolos em simbiose
O apoio irrestrito das arquibancadas era um bom ponto de partida, mas para retornar à elite do futebol nacional, era necessário algo muito especial: a simbiose entre fãs, referências do clube e jogadores que escolheram permanecer e colaborar na reconstrução azul. Ally McCoist, ídolo por seus feitos como atleta dos Gers ao longo de 15 anos (1983–1998), foi um dos personagens que ficou: era o treinador da equipe em 2011, ano antes da insolvência, e seguiu no cargo mesmo com a mudança busca de cenário. Sob seu comando, o Rangers conquistou duas promoções consecutivas, chegando à Scottish Championship (segunda divisão nacional) em 2014/15.
O retorno à elite nacional tardaria mais uma temporada para acontecer, somente ao final de 2015/16, com o técnico Mark Warburton. Obviamente, a promoção foi amplamente celebrada pela torcida dos Gers, mas também mudava o paradigma sob o qual o clube vinha funcionando naqueles últimos anos: agora, passaria a enfrentar adversários mais fortes e organizados, e apenas se manter na primeira divisão não era aspiração suficiente para o maior campeão nacional.
Para voltar a ser protagonista entre os principais clubes da Escócia, o Rangers sabia que precisaria de arrojo. E assim foi em 2018, quando anunciou Steven Gerrard como novo treinador. Com um time competitivo em mãos e tempo para trabalhar, o lendário ex-jogador do Liverpool se converteu em um promissor comandante à beira do gramado, construtor e condutor da equipe que faria história em 2020/21: conquista da Scottish Premier League com 102 pontos conquistados, encerrando uma seca nacional que já durava 10 anos no Ibrox Stadium.
Renascido e campeão, o Rangers foi obrigado a encarar mais uma mudança estrutural importante, já que o sucesso de Steven Gerrard lhe abriu caminhos rumo à Premier League, mais precisamente ao Aston Villa. Mas para um clube que, em seus 150 anos de existência, teve que se acostumar a se reinventar para seguir vivo, as desventuras e surpresas que o futebol reserva já não assustam mais: ídolo e vencedor com a camisa azul, Giovanni van Bronckhorst foi o escolhido para assumir o comando técnico dos Gers, vem fazendo um grande trabalho e está a uma vitória de fazer história.
O sonho, como dito no parágrafo de abertura deste longo artigo, é pelo desfecho de cinema. E para um clube que esteve à beira do abismo – mas se negou a pular –, a conquista da Europa League seria mais uma validação de como começar de novo é mais do que necessário: é da vida.