Richarlison faz apelo e abre o jogo ao The Players' Tribune: "Não me via fazendo algo que não fosse jogar futebol"
Por Nathália Almeida
Talentoso, carismático, engajado e determinado. Sem medo de se posicionar e de lutar pelo que acredita. Lutar, por sinal, é o verbo que o acompanha desde seus primeiros anos de idade: como ele próprio narra no texto de sua vida escrito ao 'The Players' Tribune', Richarlison, sensação no Everton e titular da Seleção Brasileira, nada aconteceu de maneira fácil em sua carreira. O futebol simbolizava não só o sonho de garoto, mas a esperança de dias melhores para sua família, formada por guerreiros como ele, cada um em sua luta diária pela sobrevivência.
A determinação em fazer do futebol a sua carreira e o sustento de sua família tornou-se ainda mais forte no jovem capixaba após um episódio triste e marcante em sua adolescência, quando ainda estava na base do América-MG: em um dia de lazer e pescaria com seus familiares, Richarlison testemunhou seu pai sendo ameaçado de despejo, cena que amplificou as ambições do atacante em prosperar no esporte e poder prover sua casa.
"No caminho de volta para casa, passamos pela represa proibida. Olhamos um para o outro. Olhamos para a represa. Ninguém parecia estar por perto. Ainda tínhamos isca no anzol...
Joguei o anzol na água, não sei o que me deu. Dois segundos depois, PAH: um peixe mordeu a isca!
Até hoje não sei explicar por que eu fiz aquilo. Em todo caso, o dono do terreno me viu fazendo o que não podia. Ele ficou bravo, gritou e humilhou o meu pai na frente de todo mundo, dizendo que poderia expulsá-lo da casa a hora que ele quisesse. Era a última coisa que o meu pai precisava. Ele se sentiu completamente humilhado.
Naquele momento, algo passou pela minha cabeça. Lembro de falar para o meu tio Elton "Vou fazer de tudo para conseguir um contrato no América-MG. Preciso tirar o meu pai dessa situação."
Antes daquilo, ajudar a minha família por meio do futebol era uma ideia. Depois, virou obsessão"
A caminhada até o primeiro contrato profissional foi dura e implicou em muitos sacrifícios. Aos 11 anos, Richarlison começou a vender picolé para ajudar na renda familiar. Depois, outros bicos como vender bombons e lavar carros. Na periferia de Nova Venécia, município situado no Espírito Santo, o mundo das drogas e a criminalidade estavam diante dos olhos do garoto, mas aquilo não o seduzia: o futebol era o seu alento e a sua predestinação.
"Não tinha interesse algum em drogas. A roça não era para mim. Vender picolé também não. E de jeito nenhum eu voltaria ao lava-rápido. Acima de tudo, não me via fazendo algo que não fosse jogar futebol. "
- Richarlison
Pouco a pouco e às custas de muito suor, Richarlison construiu seu caminho: América-MG, Fluminense, Watford e hoje Everton, onde é adorado por torcedores e dirigentes. Seu ídolo, Neymar, tornou-se seu companheiro de ataque na Seleção Brasileira, pela qual já conquistou anotando gol na grande final. Mas o que faz o jovem atacante diferenciado, além de seu talento inquestionável e trabalho duro, é a sua consciência: ele não esquece suas origens e usa, sempre que possível, sua voz e influência para lutar pelo que acha justo.
"Quero falar de algo muito importante para mim e que deveria importar para você também. Estou muito triste e preocupado com o que está acontecendo no Pantanal. Cerca de um quarto da área foi tomado pelo fogo só neste ano. No começo isso era notícia em vários lugares, o que fazia total sentido — é uma região que todos devemos lutar para proteger. A Terra é a nossa maior riqueza. Vamos fazer a nossa parte para preservá-la".