Tricolor e de todas as cores: a coragem da Coligay, a primeira torcida LGBTQIA+ do futebol brasileiro

Neste Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ (28/06), exaltamos o pioneirismo e a bravura da Coligay, primeira torcida organizada LGBT reconhecida no futebol brasileiro.
Fundada em 1977, Coligay, do Grêmio, é a primeira torcida LGBTQIA+ do futebol brasileiro
Fundada em 1977, Coligay, do Grêmio, é a primeira torcida LGBTQIA+ do futebol brasileiro / Reprodução/Coligay Memória
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Se a história de conquista de direitos civis básicos é secular e marcada pela coragem daqueles que vieram antes, relembrar sempre os grupos e personagens que romperam barreiras e foram pioneiros é cultivar sua memória e também demonstrar gratidão: quem veio antes e levantou sua voz, seja na luta antirracista, anticapacitista ou pela liberdade dos corpos e das sexualidades, abriu caminhos para que pudéssemos viver, hoje, em uma sociedade um pouco menos intolerante.

É por isso que neste 28 de junho de 2023, Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, o 90min presta um tributo à pioneira Coligay, a primeira torcida organizada LGBT do futebol brasileiro. Pela coragem de disputar e ocupar um espaço infelizmente tão machista e pelo desejo de transformar o esporte e a arquibancada em um lugar verdadeiramente para todos, a Coligay é um Marco de Resistência.

Fundação, represálias e combatividade

O ano era 1977 e o Brasil vivia um período nebuloso de história, a Ditadura Militar. Apesar de usado como ferramenta de poder pelo Estado, o futebol também era espaço de resistência e de luta contra o sistema e contra o avanço da privação de liberdades. O contexto político e social, em vista disso, era altamente perigoso e agressivo à comunidade LGBTQIA+, mas Volmar Santos, motivado por seu amor pelo Grêmio e por seu desejo de construir um espaço seguro para torcedores como ele, fundou a rompedora Coligay.

Gerente da boate Coliseu – um dos poucos espaços noturnos da época destinados à comunidade LGBT –, Volmar, com o apoio de amigos gremistas, deu esse passo que hoje consideramos como um marco na disputa por uma arquibancada mais diversa e acolhedora. Em entrevista ao portal Terra, Léo Gerchmann, autor do livro"Coligay: Tricolor e todas as cores", revelou que a principal motivação de Volmar era criar um lugar de pertencimento e segurança para torcedores LGBTs que amavam o futebol e, acima de tudo, o Imortal Tricolor.

"Ele queria que os LGBTs pudessem frequentar estádios sem ter medo. Assumir a sexualidade naquela época era ser considerado um pária social. Significava perder amigos, família e correr muitos riscos"

Os riscos, de fato, eram imensos e logo se transformaram em perseguição. Não eram raras as ofensas dentro do Olímpico e nos demais estádios do país, afora emboscadas e represálias até mesmo das forças policiais que deveriam, ao menos na teoria, garantir a segurança de todos. Mas nenhuma violência foi capaz de esmorecer a Coligay, que devolvia as retaliações com as armas mais poderosas que existe: educação, diálogo e persistência.

Amuleto da sorte?

Para continuar marcando presença e apoiando o Grêmio onde o Grêmio estivesse, a Coligay se articulou e emplacou uma "jogada de mestre" que lhe trouxe um pouco mais de respaldo: procurou a diretoria tricolor, à época liderada por Hélio Dourado, para intensificar o diálogo e estreitar os laços. E foi justamente a partir deste maior contato com o presidente do clube que a Coligay conseguiu o reconhecimento oficial enquanto torcida organizada, status que ajudou a amenizar as represálias.

Em seu primeiro ano de bancada (1977), a pioneira e irreverente torcida tricolor celebrou o título gaúcho, conquistado sobre o arquirrival Internacional. Em 1979 e 1980, mais duas taças do Estadual para o Imortal, vitórias acompanhadas de perto pela Coligay, que pouco a pouco começava a ganhar a fama de "amuleto". Essa sensação aumentou ainda mais com o título do Brasileirão de 1981, o primeiro do história do clube neste torneio.

"Eles iam para o estádio para realmente torcer, vibrar, estavam do lado do Grêmio com ou sem vitória (...) A Coligay foi um exemplo, um espelho de boa torcida. Depois dela, tivemos outras que também se mantiveram sem violência, mas infelizmente não vemos mais isso nos estádios. Quem dera que as torcidas tomassem de exemplo para si a emoção, o entusiasmo e a vibração que a Coligay transmitia."

De "Coligay: Tricolor e todas as cores"

Reverberou! O legado da Coligay

"Tentaram nos enterrar, mal sabiam eles que éramos sementes"

E como semente, a Coligay germinou e rendeu belos frutos. Desmobilizada em 1983 em virtude do afastamento (por razões pessoais) de seu fundador, Volmar Santos, a Coligay deixou um rico legado não apenas para a cultura de arquibancada do Grêmio, mas para a comunidade LGBTQIA+ que ama, vive e disputa o futebol todos os dias.

Diversas torcidas e coletivos de bancada nasceram nos anos seguintes à Coligay, movimento que testemunhou um verdadeiro "boom" na década de 2010. De acordo com levantamento recente, hoje são mais de 22 coletivos LGBTQIA+ ativos espalhados por todas as regiões do Brasil.

Os desafios ainda são grandes e a caminhada é árdua. Mas por nós e por quem veio antes, como a Coligay, recuar não é uma opção. Até a pé nos iremos, sempre à frente.