Vasco reafirma valores da luta antirracista com homenagem em São Januário
Por Bia Palumbo
"Eu já lutei por negros e operários", diz uma das frases entoadas nas arquibancadas de São Januário na música da torcida que homenageia o primeiro time campeão carioca com atletas negros no elenco, em 1923, eternizado na memória do vascaíno como Camisas Negras. E quem for ao estádio nesta quinta-feira (2) acompanhar o duelo contra o Grêmio, válido pela 10ª rodada da Série B, vai ter mais um exemplo de que a luta antirracista está enraizada no Vasco.
Minutos antes da bola rolar, personalidades vão ao gramado receber a Honraria Pai Santana, entregue a quem sofreu racismo e se tornou referência de resistência e enfrentamento, contribuindo para uma sociedade mais justa.
A condecoração foi batizada com o nome do mineiro Eduardo Santana, tricampeão carioca de boxe nos anos 40 e 50 e massagista da agremiação por cerca de 50 anos. Falecido em 2011, ele era conhecido pela força espiritual e por sua ligação com a umbanda, costumava acender velas nos vestiários, assim como realizar outros rituais, quebrando barreiras em uma história marcada pelo sincretismo religioso - tanto que foi velado na capela localizada nas dependências do clube, a Nossa Senhora das Vitórias, e se interessou pelo islamismo quando trabalhou no Oriente Médio durante a década de 80. Seu carisma e irreverência conquistaram craques como Edmundo.
O escolhido para entregar a medalha é Roberto Santana, herdeiro do ídolo que virou animador de torcida e é chamado de "Bola Sete". Um dos que vai recebê-la é o técnico gremista, Roger Machado, autor de um projeto que publica obras de autores negros e indígenas.
"Quando tu abre um livro, tu abre uma janela para o mundo. As janelas que o futebol e os livros me abriram mostram que a história do nosso povo não se resume à escravidão nem ao racismo."
- Roger Machado, ao The Players' Tribune
Outra figura do futebol homenageada é o ex-goleiro Aranha, vítima de injúria racial justamente em um jogo diante do Grêmio pela Copa do Brasil, em 2014, quando atuava no Santos. O caso foi a julgamento e eliminou o tricolor gaúcho da competição. Já aposentado, ele recentemente lançou o livro "Brasil Tumbeiro", com histórias de homens e mulheres negros que construíram a história do País.
A primeira edição da Honraria Pai Santana contempla ainda um time de homenageados, formado por mais 11 pessoas, que são a atriz Taís Araújo, o sociólogo Celso Athayde, a estudante de origem senegalesa e influenciadora digital Fatou Ndiaye, a jornalista Flávia Oliveira, o religioso e educador Frei David, o consultor de marketing Marcelo Carvalho (idealizador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol), o historiador Professor Júnior, o pastor, cantor e historiador Kleber Lucas, o educador Rafael Santos (fundador do Afroreggae) e os cantores e compositores Emicida e Mano Brown.
Como tudo começou
O título dos Camisas Negras é um símbolo, mas não o pontapé inicial do Vasco. Fundado no final do século XIX, o Vasco elegeu em 1904 Candido José de Araujo, um presidente negro, algo inédito até então na história esportiva carioca. Candinho, como era chamado, inclusive foi reeleito e ficou marcado porque justamente no seu mandato veio o primeiro troféu da história do clube, no remo, em junho daquele ano.
Vinte anos depois, em 1924, outro fato reforçou o posicionamento do Vasco - e está em destaque no museu do clube, sendo considerado uma das maiores conquistas da agremiação -, a Resposta Histórica, "carta enviada pelo Vasco à Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), se negando a retirar de seu plantel os atletas negros, analfabetos e operários", como explica um trecho no site oficial, elementos que ajudam a contar a história do Clube de Regatas Vasco da Gama.